Tim Vickery: Como o Brasil não se preparou para a Copa em 11 anos
“Estádios
são coisas relativamente simples de se construir”, disse a presidente
Dilma Rousseff em visita à Suíça na semana passada. Isso de fato nos
leva a uma pergunta óbvia: então por que tantos estádios para a Copa do
Mundo estão tão atrasados?
A alta
procura por ingressos e pacotes de hospitalidade ajudam a explicar a
falta de paciência da Fifa com os prazos assumidos e não cumpridos – e
não importa o que se pense sobre o relacionamento entre a Fifa e o
governo brasileiro, a Copa do Mundo foi um negócio em que o Brasil
entrou (e que o Brasil aceitou) voluntariamente.
Mas uma hora as máscaras caem, como quando o presidente da Fifa, Joseph Blatter, comentou recentemente que, em todos os anos que esteve no comando da entidade, nunca viu uma Copa do Mundo com tantos atrasos. Ele ainda acrescentou que o Brasil foi definido como país-sede da Copa de 2014 em 2007 e, portanto, acabou se beneficiando de um ano extra para se preparar – sete, em vez dos tradicionais seis.
E aqui ele não está sendo generoso. Porque a realidade é que o Brasil não teve sete anos para se preparar. Teve 11.
A América
do Sul, que não recebia o Mundial desde 1978, era o candidato óbvio.
Então, em março de 2003, Joseph Blatter anunciou que em 2014 seria a vez
do subcontinente. O torneio havia dobrado de tamanho desde a Copa da
Argentina, em 1978. Quantos países no continente seriam capazes de
sediar um Mundial com os 32 times que jogam atualmente? Na realidade,
havia apenas um – e assim, alguns dias após o anúncio de Blatter, a
Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) declarou que o Brasil
era o seu único candidato.
“Nenhum outro país estava na briga com o Brasil. A disciplina da competição, então, acabou não existindo e abriu espaço para alguns velhos vícios brasileiros; muita politicagem nos bastidores, muita esperteza e pouco progresso. De fato, a consequência da experiência brasileira foi o fim da idéia de revezamento de continentes para sediar a Copa do Mundo.”
Mas não dá
para escapar da verdade: o Brasil sabia que iria sediar a Copa do Mundo
de 2014 desde março de 2003. Não havia nenhuma tensão dramática quando,
quatro anos e meio depois, a palavra “Brazil” saiu do envelope. Isso
simplesmente confirmou o que todos já sabiam. Então por que outubro de
2007 foi tratado, não apenas pela mídia brasileira, como o ponto de
partida?
Se tivesse
havido uma disputa competitiva pela Copa de 2014, os países candidatos
teriam que apresentar propostas. Uma das primeiras coisas que eles
teriam quem fazer seria identificar as cidades-sede. Seria um princípio
básico, necessário apenas para entrar na briga.
Mas
nenhum outro país estava na briga com o Brasil. A disciplina da
competição, então, acabou não existindo e abriu espaço para alguns
velhos vícios brasileiros; muita politicagem
nos bastidores, muita esperteza e pouco progresso. De fato, a
consequência da experiência brasileira foi o fim da ideia de revezamento
de continentes para sediar a Copa do Mundo.
Nenhuma
decisão definitiva sobre as cidades-sede foi tomada até o fim de maio de
2009. Anos foram jogados fora. E uma vez que você fica atrás do
relógio, os princípios básicos começam a valer; o custo do que você pode
fazer aumenta. A escala do que você pode fazer diminui. E muitos
estádios estão atrasados, com o orçamento estourado, enquanto inúmeros
projetos de mobilidade urbana, a principal área que iria beneficiar
realmente a sociedade, ainda não saíram do papel ou sequer têm chances
de ficarem prontas a tempo.
Os
estádios são bastante impressionantes. Ainda em 2007, o medo era que
eles se tornassem Engenhões, versões maiores do estádio construído no
Rio de Janeiro para os Jogos Pan-Americanos de 2007 que custou caro e
nasceu obsoleto. Em vez disso, deixando de lado por um minuto a questão
dos preços dos ingressos, os estádios são grandiosamente modernos. Eu
não voltei lá depois da Copa das Confederações, mas achei a Fonte Nova,
em Salvador, um lugar maravilhoso para se apreciar o futebol.
Em termos
políticos, porém, o fato de os estádios serem impressionantes cria um
problema. Isso ficou implícito – e em muitas vezes explícito – na
mensagem dos protestos que estouraram em junho e julho do ano passado;
se os estados brasileiros foram capazes de construir essas arenas, então
por que seriam incapazes de entregar os serviços públicos no chamado
“padrão Fifa”?
O
pentacampeão em 2002, Rivaldo, disse outro dia que “o Brasil vai passar
vergonha na Copa”. Não vejo exatamente assim, embora imagino que haverá
problemas e que já ficou claro que o evento não vai cumprir seu
potencial para a sociedade brasileira.
Mas a
“vergonha” é de quem? Do frentista ou da recepcionista que moram na
periferia de uma grande cidade, acordando às 4 da manhã todo dia para
chegar ao trabalho? Por que eles deveriam se sentir envergonhados? Eles
não tiveram qualquer participação no processo. Não houve nenhum debate
público no Brasil sobre os objetivos da Copa do Mundo, sobre quanto a
sociedade estava disposta a gastar e o que queria em troca. Por anos,
não havia sequer um lugar no Comitê Organizador Local para
representantes eleitores pela sociedade (o que, por sinal, é um
contraste gritante com a Copa da África do Sul, onde havia um
envolvimento generalizado no governo). As pessoas não são porta-vozes
das suas nações ou responsáveis por ações da classe dominante.
Infelizmente,
todos os atrasos que afetaram a Copa do Mundo de 2014 eram previsíveis.
O que não era nem um pouco previsível foi a reação do povo durante a
Copa das Confederações, saindo às ruas em centenas, milhares, desafiando
a noção que os brasileiros tinham – tinham, no passado – deles mesmos
de ser um povo tão passivo a ponto de ser idiota.
O país
estava mudando bem em frente aos nossos olhos. O Brasil que existia até
maio de 2013 se foi para sempre. Ainda não está claro aonde isso vai nos
levar em julho de 2014. Mas aqueles envolvidos na luta positiva para
formar uma nova nação não estão passando vergonha. Estão passando para o
mundo a visão de um Brasil alternativo, um Brasil mais justo e mais
competente.
POTIGUARA
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