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terça-feira, 3 de julho de 2012

A QUEDA DO AIR FRANCE 447

A aeronave Airbus A330-200 da Air France, caiu no Oceano Atlântico no dia 1° de junho de 2009.




Quase três anos depois do Airbus 330-200 da Air France mergulhar no Oceano Atlântico, as gravações dos dados de vôo do Air France 447 após reveladas, apresentam teorias sobre a causa do acidente. Estas gravações revelam uma situação surpreendente de caos no cockpit, e confusão entre os pilotos que levaram a queda do avião. Acompanhe abaixo, o texto escrito por Jeff Wise, editor colaborador da publicação Popular Mechanics, sobre o assunto.



Por mais de dois anos, o desaparecimento do vôo Air France 447 no meio do Atlântico, nas primeiras horas de primeiro de Junho de 2009, permaneceu como um dos grandes mistérios da aviação. Como um dos mais modernos aviões em operação no mundo, simplesmente desapareceu?





Timeline dos acontecimentos do voo AF 447 de 2009.

Com a maior parte da aeronave e as caixas pretas perdidas a 2 milhas (3.7 km) de profundidade no oceano, especialistas foram forçados a especular baseados somente nos poucos dados existentes a época: um conjunto de mensagens criptografadas enviadas automaticamente da aeronave para o centro de manutenção da Airbus na França. Noticias divulgadas a época do acidente, indicaram que o avião sofreu um problema técnico – congelamento das sondas pitot (sensores que medem a velocidade do ar) – isso, combinado as condições meteorológicas críticas, levaram a uma seqüência de eventos que culminou com a queda do avião e a perda de 228 vidas.






Tudo poderia ter ficado descansando nas profundezas do oceano Atlântico para sempre, mas em Abril de 2011, em uma operação incrível, as caixas pretas do vôo AF447 foram encontradas e resgatadas. Até a análise do seu conteúdo, as autoridades francesas responsáveis pela investigação (BEA), emitiram um relatório onde ampliavam o escopo das investigações sobre a suposta falha inicial nas sondas pitot. Foi então que um quadro claro do que ocorreu naquele vôo fatídico, emergiu com a publicação “Erreurs de Pilotage” (volume 5), escrito pelo piloto e especialista em aviação Jean-Pierre Otelli, que incluiu a transcrição completa da comunicação entre os pilotos durante o voo AF447, registrada pelo CVR (Cockpit Voice Recorder).






Hoje está claro que, realmente, o voo AF447 atravessou um conjunto de nuvens e uma tempestade de grande magnitude, as sondas pitot congelaram, e o piloto automático desligou-se. Como conseqüência da confusão, os pilotos perderam o controle do avião, pois reagiram incorretamente a perda dos instrumentos de vôo e pareceram incapazes de compreender a natureza real de suas ações. Nem o tempo, nem o mau funcionamento derrubou o AF447, nem mesmo uma seqüência de problemas complexos, mas sim, o simples e persistente erro por parte de um dos pilotos envolvidos.






O julgamento humano, claramente, não é formado do nada. Pilotos são parte de um sistema complexo que pode aumentar ou diminuir a probabilidade destes cometerem erros. Depois deste acidente, a questão está em entender se treinamento, instrumentos de vôo, e procedimentos na cabine de comando, podem ser alterados para que os erros presentes neste acidente não se repitam – ou, se a presença do fator humano sempre resultará na possibilidade de uma catástrofe. Afinal de contas, os homens no comando do AF447 eram três experientes pilotos que voavam por uma das mais prestigiosas companhias aéreas mundiais. Se eles não puderam voar uma aeronave sobre o oceano, então qual companhia aérea poderá afirmar, “nossos pilotos nunca fariam o mesmo?”.






Aqui está um resumo, do que ocorreu nos últimos minutos de vôo do AF447 (em vermelho, o relato da gravação da conversa dos pilotos):






A 1h36min, o voo entra na extremidade de uma tempestade tropical. Diferentemente de outros voos na mesma região, a tripulação decide voar através desse sistema meteorológico, ou seja, a tripulação do AF447 não mudou seu plano de vôo para evitar o pior da tempestade. A temperatura externa está acima do previsto, não permitindo que o pesado Airbus, ainda cheio de combustível após da decolagem do Rio, voe sobre o sistema meteorológico que se forma. Ao invés disso, o AF447 avança para dentro das camadas de nuvens que estão a sua frente.






A 1h51min, a cabine de commando fica iluminada por um estranho fenômeno elétrico. O co-piloto no assento a direita, um jovem pouco experiente de 32 anos, Pierre-Cédric Bonin, pergunta, “O que é isso?” O capitão, Marc Dubois, um veterano piloto com mais de 11.000 horas de vôo, diz a ele, isso é o fogo de Santelmo, um fenômeno que ocorre com frequência, em tempestades nessa altitude.






As 2h00min, o outro copiloto, David Robert, retorna a cabine de commando depois de uma pausa para descanso. Com 37 anos, Robert é mais velho e experiente do que Bonin, com mais do dobro de horas voadas que o seu colega. O piloto no comando, levanta-se e deixa seu assento a esquerda para Robert. Apesar da menor experiência, o capitão deixa Bonin no comando da aeronave, o que é um processo normal para o treinamento da tripulação, sob supervisão de um outro copiloto.






As 2h:02min, o capitão deixa a cabine de comando para tirar um cochilo no “sarcófago”, uma estreita área para descanso da tripulação em voos transcontinentais. Dentro de 15 min., todos a bordo estarão mortos.






02:03:44 (Bonin) A convergência inter-tropical… olhe, nós estamos nela, entre ‘Salpu’ e ‘Tasil’, e agora, olhe, estamos sobre ela…


A convergência intertropical, ou ITC, é uma área de constantes e severas condições climáticas perto do Equador e que, frequentemente, gera uma séria de grandes tempestades. Algumas dessas tempestades chegam a alcançar a estratosfera. Diferentemente de outras tripulações voando na mesma região nessa noite, a tripulação do AF447 não estudou esse padrão de tempestade no seu informe meteorológico e não solicitou um desvio contornando a área de atividade mais intensa. (Salpu e Tasil são dois marcadores de posição a serem reportados ao controle em terra, a medida que o avião avança em sua rota).






02:05:55 (Robert) Sim, vamos avisar o pessoal lá atrás, e deixá-los sabendo…


Robert aperta o botão de chamada no intercomunicador.






02:05:59 (comissária, escuta no intercom) Sim? Marilyn...


02:06:04 (Bonin) Sim, Marylin, é Pierre aqui na frente… Escute, em 2 minutos, vamos entrar em uma área onde as coisas irão se mexer um pouco, um pouco mais do que agora. Vai querer ter cuidado.


02:06:13 (comissária) Okay, então devemos nos sentar?


02:06:15 (Bonin) Bem, acho que não é uma má idéia. Avise aos colegas para ficarem atentos.


02:06:18 (comissária) Sim, OK! Vou aviar a todos aqui atrás. Muito obrigado.


02:06:19 (Bonin) Assim que passarmos por isto, volto a te avisar.


02:06:20 (comissária) Okay.






Os dois co-pilotos conversam sobre a atípica elevação da temperatura externa, o que os impede de subir a uma altitude mais elevada devido ao peso do avião, e expressam a felicidade de voar um Airbus 330, que apresenta melhor performance em altitude elevada do que um Airbus 340.






02:06:50 (Bonin) Vamos com o sistema de anti-congelamento. É melhor que nada.


Como voam através da nuvens, os pilotos decidem ligar o sistema de anti-congelamento (de-ice), para tentar manter o gelo longe das superfícies de voo; o gelo quando se forma sobre essas superfícies, reduz a eficiência aerodinâmica da aeronave, aumenta seu peso e, em alguns casos, pode causar a sua queda.






02:07:00 (Bonin) Parece que estamos na última camada de nuvens, está bem.


Nesse momento, Robert examina o sistema de radar meteorológico e verifica que ele não foi configurado no modo correto. Mudando a configuração, Robert verifica no mapa no radar que estão indo, diretamente, para uma área de alta intensidade meteorológica.






02:08:03 (Robert) Você poderia colocá-lo (o avião) um pouco a esquerda.


02:08:05 (Bonin) Desculpe, o que?


02:08:07 (Robert) Você poderia colocá-lo um pouco a esquerda. Concordamos que estamos em manual, correto?


Bonin, sem avisar desvia o avião para a esquerda. De repente, surge um cheiro estranho no ar, como de um transformador elétrico ou fios queimando. O cheiro logo invade a cabine, e a temperatura rapidamente aumenta. Num primeiro momento, os jovens pilotos pensam existir algo de errado com o sistema de ar condicionado, mas Robert assegura que é um efeito causado pelas condições do mau tempo ao redor. Bonin parece não estar confortável com a situação. Então, o som do fluxo de chuva sobre a fuselagem se torna mais alto. Isso, provavelmente, se deve ao acumulo de cristais de gelo na superfície exterior da fuselagem. Bonin fala que irá reduzir a velocidade da aeronave, e pergunta a Robert se deve ligar o sistema que previne as turbinas de apagarem em situações de grande quantidade de gelo/água.






Nesse momento, um alarme soa por 2.2 segundos, indicando que o piloto automático está sendo desligado. A causa é o congelamento dos tubos pitot, montados no exterior da aeronave, e que determinam a velocidade do ar. Nessa situação, os pilotos devem agora, voar a aeronave manualmente.


Observe-se, no entanto, que o até o momento o avião não apresenta qualquer mau funcionamento mecânico. Apesar da perda dos indicadores de velocidade do ar, tudo funciona perfeitamente. O relatório de Otelli, afirma que muitos pilotos de companhias aéreas (inclusive ele) voam manualmente nessas condições em simuladores de voo como parte do seu treinamento regular, e sem muitos problemas. No entanto, nem Bonin e nem Robert, tiveram treinamento de como lidar com um indicador de velocidade do ar incerto em altitude de cruzeiro, ou mesmo sobre como voar, manualmente, um avião nessas condições.






02:10:06 (Bonin) Eu tenho os controles (procedimento normal, indicando que ele assumiu o controle da aeronave).


02:10:07 (Robert) De acordo.


Talvez assustados com tudo que havia acontecido nos últimos minutos – a turbulência, o estranho fenômeno elétrico, seu colega falhando em contornar a tempestade a frente – Bonin reagiu irracionalmente. Ele puxou o sidestick (manete lateral que comanda a atitude do avião) e iniciou uma subida, apesar de ter conversado instantes atrás com seu colega de cabine, sobre a incapacidade da aeronave de voar mais alto devido as elevadas temperaturas externas.


O comportamento de Bonin é de dificil compreensão para profissionais aviadores. “Se ele está voando nivelado em linha reta e perde o indicador de velocidade do ar, não entendo porque ele puxou o sidestick,” comenta Chris Nutter, piloto de linhas aéreas e instrutor de vôo. “O lógico seria realizar os procedimentos de checagem” – isto é, comparar o indicador de velocidade do ar com o do copiloto (tudo é duplicado na cabine) e com outros instrumentos, como indicadores de velocidade em relação ao solo, altitude, configuração dos motores, ângulo de subida. Nessas situações, “iniciamos um processo de avaliação interativo,” explica Nutter, antes de manipular os controles de vôo. “Aparentemente, isso não ocorreu.”






Quase imediatamente após Bonin iniciar a subida, o computador de bordo reagiu. Um alarme sonoro alertou a cabine para o fato de estarem deixando o programa de altitude previsto. É nesse instante que o alarme de estolagem começa a soar. Esse alarme é uma voz humana sintetizada que repete, Stall! em inglês, seguido de um incômodo som chamado “cricket”. Estolagem é uma situação potencialmente perigosa, e que resulta na perda de velocidade da aeronave. Em uma situação limite de estolagem, as asas perdem sua eficiência em gerar sustentação, e a aeronave começa a perder altitude, ou seja, cair.


O alarme de estolagem dos Airbus foi pensado de tal forma, a tornar impossível ignorá-lo. Mesmo assim, durante todo o tempo, nenhum dos dois pilotos na cabine citou, ou fez qualquer menção ao fato de que o avião, estava na iminência de estolar – mesmo tendo o alarme de “Stall” disparado 75 vezes na cabine de comando. Por todo esse tempo, Bonin manteve os manetes de comando puxados, apesar da orientação em contrário quando se recebe um alarme de estolagem.






02:10:07 (Robert) O que é isso?


02:10:15 (Bonin) Nada bom… Não temos um bom indicador de velocidade.


02:10:16 (Robert) Perdemos a, a , a velocidade, então?


O avião sobe subitamente a uma razão de 7.000 pés/min (2.000 m/min). Enquanto ganha altitude, ele perde velocidade, até chegar a uma velocidade de 93 nós (173 km/h), uma velocidade mais próxima de um Cessna do que de um jato comercial. Robert vê o erro de Bonin e tenta corrigí-lo.






02:10:27 (Robert) Atenção para a velocidade. Atenção para a velocidade.


Ele provavelmente se refere a velocidade vertical. Eles ainda estão subindo.






02:10:28 (Bonin) Okay, okay, estou descendo.


02:10:30 (Robert) Estabilize…


02:10:31 (Bonin) Sim.


02:10:31 (Robert) Desce… estamos subindo… estamos subindo, então desce.


02:10:35 (Bonin) De acordo.


Graças ao efeito do sistema de anti-congelamento, um dos tubos pitot volta a funcionar. Os monitores na cabine voltam a mostrar os indicadores corretos de velocidade.






02:10:36 (Robert) Desce!


02:10:37 (Bonin) Estamos conseguindo, estamos descendo.


02:10:38 (Robert) Suave!


Bonin libera a pressão do manete de comando, e o avião ganha velocidade e sua ascenção começa a diminuir. Ele acelera a 223 nós (413 km/h). O alarme de estolagem silencia. Por algum momento, os co-pilotos tem o controle do avião novamente.






02:10:41(Bonin) Estamos…sim, estamos subindo.


Mas Bonin ainda não abaixou o nariz do avião. Reconhecendo a gravidade da situação, Robert aciona o botão para chamar o Capitão.






02:10:49 (Robert) Diabos, onde ele está?


O avião subiu 2512 pés (765 m) acima da altitude inicial, e apesar disso, ele continua subindo a uma taxa de ascensão bastante perigosa, ainda que dentro de um aceitável envelope de vôo. No entanto, por alguma razão desconhecida, Bonin novamente aumenta a pressão sobre o manete de comando, elevando o nariz do avião e perdendo velocidade. Novamente, o alarme de estolagem começa a soar.


Os pilotos continuam a ignorá-lo, a razão para isso pode ser que eles acreditavam ser impossível estolar o avião. Não é uma idéia totalmente irracional: Os Airbus são aeronaves fly-by-wire; os comandos não alimentam diretamente as superfícies de controle, mas sim um computador que envia os sinais a atuadores que por sua vez movem os ailerons, leme, profundores, e flaps. Na maioria dos casos, o computador opera dentro das regras de vôo consideradas normais, o que significa que não enviará nenhum comando que implique que a aeronave saia de seu envelope de voo (condições limites de voo particulares de cada avião). O computador de controle de vôo sob regras normais de operação, nunca permitirá a estolagem da aeronave, afirma um especialista em aviação.






No entanto, uma vez que o computador perdeu os dados de velocidade do ar, o piloto automatico se auto-desligou, mudando o regime de vôo de normal (normal law) para regime de vôo alternado (alternate law), um regime de vôo com poucas restrições sobre o que o piloto pode fazer. “Uma vez estando em regime alternado de vôo, você pode sim, estolar a aeronave,” afirma Camilleri.


É pouco provável que Bonin nunca tenha voado este avião em regime alternado, ou mesmo entendido as poucas restrições presentes nesse modo de voo. De acordo com Camilleri, nenhum dos 17 Airbus 330 da US Airways, jamais entrou em regime alternado desde que estão em operação. No entanto, Bonin pode ter assumido que o alarme de estolagem fosse falso, porque deve ter imaginado que um avião “inteligente” como o 330, nunca removeria suas próprias restrições a estolagem. O que de fato sabemos, foi o que ocorreu depois.






02:10:55 (Robert) Diabos!


O outro tubo pitot volta a funcionar normalmente. Os aviônicos na cabine de comando estão todos funcionando normalmente. A tripulação dispõe de todas as informações necessárias para realziar um vôo seguro, com todos os sistemas totalmente funcionais. Os problemas que ocorrem deste ponto em diante, são creditados, puramente, ao erro/fator humano.






02:11:03 (Bonin) Estou em TOGA, heim?


A afirmação de Bonin nesse ponto, oferece uma janela para interpretarmos seu raciocínio. TOGA é um acronômio para “Take Off, Go Around” – decole e voe de volta. Quando uma aeronave aborta uma decolagem ou um pouso – ela entra em procedimento de “voar de volta” – ou seja, ela deve ganhar velocidade e altitude com a máxima eficiência possível, para retornar com segurança a uma nova tentativa. Nessa fase crítica de voo, os pilotos são treinados para aumentar a velocidade para o nível de TOGA e elevar o nariz da aeronave para um certo ângulo de inclinação.






Claramente, Bonin está tentando buscar o mesmo efeito: Ele deseja aumentar a velocidade e subir para longe do perigo. Porém ele não está ao nível do mar; ele está sob um ar rarefeito a 37.500 pés (11.500 m). Nessas condições, os motores geram menos empuxo, e as asas menos sustentação. Inclinar o nariz do avião para um certo ângulo não gera o mesmo resultado de ascensão que em uma decolagem ou pouso abortados. Neste caso, isso pode resultar em uma queda, que foi o que acabou por ocorrer.






O comportamento de Bonin é considerado irracional, e difícil de entender, mas é sabido que uma carga psicológica estressante, desliga áreas importantes do cérebro responsáveis pela inovação e a criatividade. Em situações como essa, podemos afirmar que entramos no “modo de segurança”, onde nossas ações são remetidas a respostas instintivas, com as quais estamos familiarizados ou para as quais treinamos com frequência. Apesar da exigência dos pilotos praticarem o vôo manual em todas suas fases, como parte da rotina de treinamento, eles o fazem, normalmente, a baixa altitude, na decolagem, pouso, e nas manobras para essas etapas. Então, não chega a ser uma surpresa, que diante de uma tempestade assustadora, Bonin reverteu suas ações de vôo como se estivesse próximo do solo, mesmo esta ação não sendo compatível e adequada aquela situação.






02:11:06 (Robert) Diabos, ele está vindo ou não? (referindo-se ao Comandante).


O avião agora atinge sua altitude máxima de vôo. Com os motores em sua potência máxima, e com o nariz inclinado em 18 graus para cima, ele se move horizontalmente por alguns instantes e depois começa sua queda em direção ao oceano.






02:11:21 (Robert) Nós temos ainda os motores! Inferno, o que está acontecendo? Eu não entendo o que está acontecendo.


Diferentemente dos manetes de controle dos jatos da Boeing, os manetes (sidesticks) de controle dos Airbus são assíncronos – isto é, se movem independentemente. “Se uma pessoa no assento direito puxa o manete do joystick, a pessoa no assento da esquerda não sente este movimento, ”afirma o Dr. David Esser, professor de Ciência Aeronáutica na Embry-Riddle Aeronautical University. “Seu joystick não se move se outro se mover, diferentemente do que acontece com os sistemas tradicionais mecânicos encontrados em aviões de pequeno porte, onde se você move um manete, o outro ao lado se move da mesma forma.” Robert não tinha idéia que, apesar do diálogo sobre descer o nariz da aeronave, Bonin continuou a puxar o manete sob seu controle.






Esses homens falharam em um processo importante chamado gerenciamento de recursos pela tripulação, ou CRM (crew resource management). Eles falharam, essencialmente, em trabalhar de forma cooperativa naquela situação. Não estava claro para cada um, quem estava no comando e quem era responsável por qual procedimento. Este é o resultado natural de termos dois copilotos voando este avião. “Quando você tem um capitão e um primeiro oficial na cabine, está claro quem está no comando,” explica Nutter. “O capitão têm a autoridade no comando. Ele é o responsável legal pela segurança do vôo. Quando você coloca dois primeiro oficiais na cabine, isso altera significativamente as coisas. Você não terá a disciplina tradicional imposta na cabine quando da presença de um capitão.”






A velocidade vertical em direção ao oceano aumenta. Caso Bonin tivesse liberado os controles, o nariz do avião abaixaria e voltaria a ganhar velocidade horizontal. Porém, com sua atitude de manter o manete puxado, mantendo o nariz do avião elevado, a velocidade horizontal foi sendo reduzida de tal forma que os controles de vôo não eram mais efetivos. A turbulência continuava a chacoalhar a aeronave, ficando muito difícil manter as asas niveladas.






02:11:32 (Bonin) Diabos, eu não tenho o controle do avião, eu não tenho mais o controle do avião!


02:11:37 (Robert) Esquerda assumindo o comando!


Ao menos, o mais sênior dos copilotos (e aquele que parece ter um melhor entendimento da situação), agora têm o controle da aeronave. Infelizmente, ele, também parece não saber que agora o avião está estolando, e puxa o manete de controle da mesma forma que Bonin. Embora o nariz da aeronave esteja inclinado para cima, ele está caindo com um ângulo de 40 graus. O alerta de estolagem conitnua soando. De qualquer maneira, Bonin retorna ao controle do avião.


Um minuto e meio após a crise começar, o Capitão retorna a cabine de comando. O alerta de estolagem continua soando.






02:11:43 (Captain) O que diabos vocês estão fazendo?


02:11:45 (Bonin) Nós perdemos o controle do avião!


02:11:47 (Robert) Nós perdemos completamente o controle do avião. Nós não entendemos nada… Estamos tentando de tudo…


Neste momento o avião retorna a sua altitude inicial mas cai rapidamente. Com o nariz inclinado em 15 graus para cima, e uma velocidade horizontal de 100 nós (185 km/h), ele desce a uma razão de 10.000 pés/min (3.050 m/min), num ângulo de 41.5 graus. Ele manterá esta atitude, com pequenas variações, até se chocar com o mar. Apesar dos tubos pitot estarem funcionando normalmente, a velocidade horizontal para frente é muito baixa – abaixo de 60 nós (111 km/h) – os dados de entrada do ângulo de ataque não são mais aceitos como válidos, e o alarme de estolagem para de soar temporariamente. Isso deu aos pilotos a impressão que a situação estava melhorando, quando de fato, era totalmente o oposto.






Outra revelação da transcrição de Otelli, é o fato do capitão da aeronave não fazer nenhuma tentativa física de tomar os controles da mesma. Deveria Dubois tê-lo feito? Ele certamente entendeu, como um piloto com muitas horas de vôo, a insanidade que seria tomar os controles da aeronave durante uma estolagem. Ao contrário, ele se sentou atrás entre os dois pilotos.


Isso não é difícil de entender, diz o especialista. “Eles estavam experimentando provavelmente alguma severa desorientação,” afirma Esser. “Em uma situação como aquela, ele provavelmente não desejava piorar a situação, obrigando um dos tripulantes a se levantar e dar seu assento a ele. Atrás dos pilotos, ele estava em uma posição melhor para observar a situação e dar os seus comandos.”


Mas de seu assento atrás, Dubois, baseado nos instrumentos a sua frente, não consegue entender o porquê do comportamente do avião. A peça crítica de informação que falta é o fato de alguém estar segurando o manete de controle por todo o tempo puxado para trás. Ninguém comunicou isso a Dubois, e ele também não perguntou.






02:12:14 (Robert) O que você acha? O que você acha? O que devemos fazer?


02:12:15 (Captain) Bem, Eu não sei!


Como o alarme de estolagem volta a soar, os três pilotos discutem a situação com nenhuma pista para entender a natureza da situação. Nenhum deles menciona a palavra estolagem “stall”. Como o avião está sendo chacoalhado pela turbulência, o capitão ordena Bonin a levantar as asas – aviso que não atacará o problema principal. Então eles discutem, de maneira inacreditável, se estão de fato subindo ou descendo, antes de chegarem a um consenso de que estão realmente descendo. Quando o avião se aproxima de 10.000 pés (3.050m), Robert tenta pegar novamente os controles, e empurra o seu manete para frente, mas o avião está em modo duplo de comando “dual input mode”, e o sistema equaliza seus comandos com os do Bonin, que continua a puxar o seu manete para trás, fazendo com que o nariz do avião permaneça voltado para cima.






02:13:40 (Robert) Suba… suba… suba… suba…


02:13:40 (Bonin) Mas eu mantive o manete para trás todo tempo!


Ao menos, Bonin comunicou aos outros o fato crucial e grave, mas que demonstra sua falta de entendimento da situação.






02:13:42 (Captain) Não, não, não… Não suba… não, não.


02:13:43 (Robert) Desce, então… Me dê os controles… Me dê os controles!


Bonin libera os controles, e Robert finalmente coloca o nariz para baixo. O avião começa a ganhar velocidade novamente. No entanto, ele continua descendo em um ângulo acentuado. Estão próximos de 2.000 pés (610m), e os sensores da aeronave detectam a proximidade rápida com o solo e mais um alarme dispara. Não existe tempo suficiente para aumentar a velocidade horizontal, colocando o nariz do avião para baixo em um mergulho. Sem nenhuma razão, sem avisar seus colegas, Bonin mais uma vez pega os controles e puxa seu manete de comando, novamente, totalmente para trás.






02:14:23 (Robert) Diabos, nós vamos cair… Isso não pode estar acontecendo!


02:14:25 (Bonin) Mas o que está acontecendo?


02:14:27 (Captain) Angulo de dez graus…






Exatamente 1.4 segundos depois, o gravador de voz da cabine para de registrar.




Conclusão:



A transcrição do vôo Air France 447 liberou informações relevantes, que devem assegurar que nenhum piloto de companhia aérea deve cometer os mesmos erros novamente. A partir de agora, todos os pilotos de linhas aéreas não terão dúvidas no instante em que o alarme de estolagem soar a uma altitude de cruzeiro. Companhias aéreas ao redor do mundo, modificarão seus programas de treinamento para reforçar os hábitos que poderiam ter salvo o vôo AF447: prestar atenção nos informes meteorológicos, e ao que as aeronaves ao redor estão fazendo; deixar bem claro quem está no comando, quando são deixados dois co-pilotos na cabine de comando; entender os parâmetros do regime de vôo alternado “alternate law”; e praticar o modo de vôo manual em todas as fases de vôo.






No entanto, deste acidente emerge uma ameaça sutil que pode atormentar a aviação comercial por muito tempo, algo que, ironicamente, nasceu para tornar a aviação mais segura. Através dos anos, as companhias aérea vem criando mecanismos de controle de voo cada vez mais automáticos. Essa ação tem como benefício, diminuir grande quantidade de incertezas e perigos associados a aviação. Por outro lado, ela remove também, importantes informações necessárias à atenção da tripulação. Enquanto os aviônicos da aeronave controlam parâmetros cruciais como localização, velocidade, e inclinação, o homem na cabine pode se distrair com outras coisas. Porém, quando os problemas subitamente aparecem, e o computador de bordo decide que não pode mais cooperar – em uma noite escura, talvez com forte turbulência, longe do solo – o homem na cabine se encontrará diante da necessidade de assumir o comando da aeronave, com uma noção inompleta do que está acontecendo. Em uma situação assim, é importante que ele saiba quais instrumentos são confiáveis, e em quais ele pode acreditar? Qual é a mais importante ameaça ao vôo? O que realmente está acontecendo?






Infelizmente, como vimos, a grande maioria dos pilotos tem pouca experiência em encontrar as respostas.






Jeff Wise é um editor contribuinte da Popular Mechanics e autor do livro “Extreme Fear: The Science of Your Mind in Danger”.


Fonte: Popular Mechanics
 
 
 
Potiguara

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